Estudante do 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina
Ginecologista Obstetra
Sub especialista em Medicina Materno Fetal
Diretora do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia
HPA Magazine 23 // 2025
Os movimentos fetais representam um padrão de movimento único para cada feto, sendo descritos como sensações de "borboletas", tremores ou pontapés, que podem variar ao longo da gravidez. Os movimentos começam a ser percecionados entre as 16 e 24 semanas, atingindo um pico por volta das 32 semanas e mantendo-se até ao final da gestação.
A vigilância dos movimentos fetais é um método de rastreio que permite à grávida monitorizar o estado fetal sem a necessidade de intervenção de um profissional de saúde ou de equipamento específico. A perceção destes movimentos é tranquilizadora para a mãe, enquanto a diminuição dos movimentos fetais (DMF) é frequentemente causa de preocupação. Esta vigilância assume, assim, um papel de grande importância, uma vez que a DMF constitui um sinal de alerta, exigindo uma avaliação mais objetiva do bem-estar fetal. O reconhecimento precoce da DMF permite a intervenção clínica em momento oportuno, evitando, sempre que possível, a progressão para a morte fetal ou neonatal.
A abordagem ao movimento fetal, com foco nos parâmetros fisiológicos, pode ser feita em três etapas: inicia-se a atividade biofísica fetal, surgem os movimentos respiratórios e de tónus, e, por fim, estes são percecionados pela gestante. Qualquer fator que interfira nesta cadeia pode ser responsável pela DMF. As causas mais graves incluem a hipoxemia e a morte fetal.
Contudo, outras possíveis causas de DMF incluem:
• Diminuição ou aumento do volume de líquido amniótico;
• Posição fetal (posição anterior da coluna fetal);
• Placenta anterior;
• Estados de sono fetal (os ciclos de sono podem durar até 40 minutos e o ritmo circadiano do bebé acentua-se ao longo da gestação, aumentando o tempo de sono);
• Exposição a substâncias que atravessam a placenta (sedativos, álcool);
• Ansiedade ou stresse materno;
• Jejum prolongado;
• Tabagismo materno;
• Primeira gravidez;
• Idade gestacional precoce;
• Posição materna (sentada/em pé versus deitada);
• Atividade física materna;
• Distração da mãe;
• Obesidade (apesar de existirem estudos contraditórios sobre este ponto).
Embora o conceito de DMF não seja totalmente consensual, considera-se que se trata da perceção qualitativa (subjetiva) de uma redução dos movimentos em relação ao padrão previamente estabelecido ao longo da gestação. Ainda que de difícil objetivação, o método de "contagem até 10" sugere diferentes limites de alarme, tais como:
• Pelo menos 10 movimentos fetais em até 2 horas, com a gestante em repouso e concentrada na contagem;
• Pelo menos 10 movimentos fetais durante 12 horas de atividade materna normal;
• Pelo menos 4 movimentos fetais em 1 hora, com a gestante em repouso e concentrada;
• Pelo menos 10 movimentos fetais em 25 minutos (entre as 22 e 36 semanas) ou em 35 minutos (a partir das 37 semanas).
Atualmente, existem aplicações para telemóvel como a "Count the Kicks" que facilitam esta monitorização.
Estudos indicam que, em algum momento da gravidez, cerca de 40% das gestantes manifestam preocupação com a DMF; contudo, a maioria dos episódios é transitória. A vigilância dos movimentos fetais revela-se especialmente importante, considerando que a mortalidade fetal entre gestantes com DMF é significativamente superior (8,2 por 1000 nascimentos) em comparação com a população obstétrica geral (2,9 por 1000 nascimentos). Além disso, até 23% dos casos de DMF no terceiro trimestre estão associados a resultados adversos, como restrição do crescimento fetal, parto prematuro, depressão neonatal e necessidade de parto de emergência.
Perante a deteção de DMF, deve ser realizada uma avaliação inicial para excluir morte fetal e determinar a causa da diminuição ou ausência dos movimentos.
Algumas ideias-chave devem ser reforçadas: cada bebé tem um padrão de movimentos único, e estes devem ser percecionados pelo menos 10 vezes em até 2 horas, com a grávida em repouso e atenta à contagem. Em caso de DMF, é essencial procurar assistência médica imediatamente, sem esperar pelo dia seguinte. Outro ponto a esclarecer é o mito de que há uma diminuição dos movimentos fetais no final da gravidez. Por fim, a total ausência de movimentos até às 24 semanas de gestação constitui um sinal de alarme.
Em conclusão, a vigilância dos movimentos fetais é uma ferramenta indispensável na prática obstétrica, permitindo a deteção precoce de complicações potenciais. A educação das grávidas sobre a importância desta monitorização regular é crucial para assegurar uma gravidez saudável e um desfecho positivo para mãe e bebé.
O Grupo HPA disponibiliza a Linha Mamã (289 830 040), acessível 24 horas por dia, para esclarecer dúvidas e fornecer orientações em cada situação.
Referências/References:
Academia PNA. Material de estudo para a PNA 2023. “Cuidados pré-natais”. Disponível em: https://academiapna.com/
Academia PNA. Material de estudo para a PNA 2023. “Manual de ginecologia e obstetrícia”. Disponível em: https://academiapna.com/
HPA Saúde. “Movimentos fetais”. Disponível em:
https://www.grupohpa.com/uploads/files/informacao_movimentos_fetais.pdf
Ministério da Saúde. “Descomplicar a gravidez - movimentos fetais”. Disponível em: https://www.chts.min-saude.pt/mais-saude/descomplicar-a-gravidez/movimentos-fetais/
UpToDate. “Decreased fetal movement: diagnosis, evaluation, and management”. Disponível em:
https://www.uptodate.com/contents/decreased-fetal-movement-diagnosis-evaluation-and-management